Lasar Segall no centro, com seus pais e irmãos, c. 1897 Vilna/Lituânia

Lasar Segall nasceu em Vilna, capital da atual República da Lituânia, em 21 de julho de 1889. Sexto entre oito irmãos, descendia de uma família de judeus. Seu pai, Abel Segall, além de negociante, exercia a função de sofer, escriba da Torá, cujo texto, manuscrito em pergaminho, é utilizado em cerimônias religiosas nas sinagogas.

Vilna era então parte do Império Russo. Sob o regime dos czares, leis severas restringiam os direitos dos judeus, impedindo-os de exercer cidadania plena. Não podiam possuir propriedades rurais, devendo dedicar-se a algumas poucas atividades urbanas. Eram vítimas da pobreza e de surtos de violência contra suas pessoas e propriedades, os pogroms.

A experiência desse ambiente marcaria o artista para toda a vida. Adulto, dedicaria parte de suas obras aos temas ligados à experiência judaica, inspirando-se tanto nas facetas negativas – perseguições, discriminações e violências – quanto no rico imaginário do seu povo, na sua religiosidade e tradições. As migrações e deslocamentos, constantes no cotidiano dos judeus orientais, dariam o tom em muitas de suas obras.

Ainda muito jovem Segall descobriu o pendor artístico, e frequentou a escola de desenho local. Em 1906, aos 15 anos, para que pudesse prosseguir com os seus estudos, Segall empreende sua primeira migração. Transfere-se para Berlim, onde frequenta a Escola de Artes Aplicadas e, depois, a Academia Imperial de Belas Artes.

Lasar Segall é segundo a esquerda, com colegas da Academia de Berlim, 1909

Descontente com as concepções tradicionalistas da Academia Imperial, Segall muda-se novamente, desta vez para Dresden, em 1910, onde frequenta a Academia de Belas Artes.

Em 1912, empreende uma prolongada viagem. Passa pela Holanda e parte em seguida para o Brasil, onde já viviam seus irmãos Oscar, Jacob e Luba. Em 1913, realiza duas exposições no Brasil, em São Paulo e Campinas. É bem acolhido pelo senador José de Freitas Valle, grande mecenas das artes daquele período, e conhece pela primeira vez a jovem Jenny Klabin, a quem ministra aulas de desenho.

Quando retorna à Europa, em fins de 1913, deixa algumas obras em coleções brasileiras. No navio que o levava para casa, ouve os primeiros rumores sobre uma grande guerra que ameaçava deflagrar-se na Europa. De volta a Dresden, conhece a atriz Margarete Quack, com quem se casaria após a Primeira Guerra Mundial.

Com o início da guerra, Segall sofre algumas restrições por ser cidadão de estado inimigo da Alemanha. Por algum tempo, fica retido em Meissen, cidade vizinha a Dresden, numa espécie de prisão domiciliar. Graças a amigos influentes, que atestaram o caráter pacífico do pintor, o confinamento foi relaxado e Segall pôde voltar a Dresden. As consequências da guerra agravam-se e vemos relatadas nas cartas desse período a morte de amigos e conhecidos nos campos de batalha, a falta de víveres e os constantes racionamentos, as greves violentamente reprimidas e até mesmo a escassez de materiais de trabalho, como telas, tintas e solventes.

Para Segall, havia ainda outra preocupação, sua cidade natal fora tomada pelas tropas russas, e o pintor temia pela segurança de sua família. Em 1916, obtém autorização para visitar Vilna. Encontrou sua cidade natal destruída pela guerra. A paisagem desolada causa-lhe forte impressão, e o artista produz uma série de desenhos e gravuras. Décadas mais tarde, diria que a necessidade de dar forma visual à violência contra os judeus o forçou a abandonar a fidelidade à natureza, permitindo que a emoção ditasse as formas e as distorcesse. Em outubro de 1916, Segall expõe alguns desses trabalhos em Dresden, obtendo elogios da crítica. Essas obras marcam a transição para uma nova linguagem expressiva.

Em 1917, Segall aproxima-se de um grupo de artistas, escritores e intelectuais de Dresden que, descontentes com as formas vigentes, estimulam o desenvolvimento de novos caminhos de expressão. Decidem formar um grupo voltado ao fomento e à divulgação dessa estética. Batizam-no de Neue Kreis [Novo Círculo]. O grupo realiza exposições e conferências, mas é efêmero, dissolvendo-se no ano seguinte.

Em novembro de 1918, uma revolução depõe o imperador alemão Wilhelm II e instaura a República de Weimar. Artistas de toda a Alemanha passam a buscar formas mais harmônicas com a época. O expressionismo, até então uma tendência marginal e repudiada por muitos, alcança aceitação e começa a penetrar nas coleções públicas e privadas.

No ateliê de Dresden, Segall à direita, Will Grohmann à esquerda, e um amigo, 1/10/1919 Dresden/Alemanha

Lasar Segall alinha-se formalmente à nova estética. Em janeiro de 1919 funda com outros artistas o Dresdner Sezession Gruppe 1919 [Grupo Secessão de Dresden 1919]. O objetivo da associação era promover a arte expressionista. O Grupo estava ligado à Galeria Emil Richter, com quem assinara um acordo para a exposição e venda de obras. Segall seria um dos participantes mais fiéis do Grupo, permanecendo ativo mesmo depois da saída de muitos dos membros originais.

A arte de Lasar Segall começa então a ganhar reconhecimento. Suas obras passam a figurar em museus públicos e colecionadores privados interessam-se por adquirir seus trabalhos. A seção de arte moderna do Museu Municipal de Dresden é inaugurada com a aquisição de uma obra de Segall, a tela Die ewigen Wanderer [Eternos caminhantes], em 1919. Segall participa de exposições importantes em galerias e museus, e tem suas gravuras reproduzidas em revistas dedicadas a divulgação da arte expressionista.

Em fins de 1923, prejudicado pela grave situação econômica que atingia a Alemanha, Segall decide migrar mais uma vez, partindo com a esposa Margarete para o Brasil. Em São Paulo, é imediatamente acolhido pelos modernistas, que saúdam sua chegada como uma vitória para as vanguardas brasileiras. Mário de Andrade, o mais entusiasta entre eles, escreve uma série de ensaios sobre Segall, publicando-os na imprensa paulistana.

Segall e Jenny em Poços de Caldas, abril de 1925 São Paulo
Jenny e Segall com os filhos Mauricio e Oscar no Jardim de Luxemburgo, 1931, Paris

A estética expressionista de Segall, no entanto, provoca assombro, e um crítico chega a referir-se a ele como “artista degenerado”. Em 1924 promove a conferência Sobre arte, na Villa Kyrial, residência do senador José de Freitas Valle e, no início de 1925, decora o Pavilhão de Arte Moderna de Olívia Guedes Penteado, espaço em que a mecenas reunia suas obras modernistas. Margarete, descontente com a vida em São Paulo, retorna à Alemanha em outubro de 1924.

Em junho de 1925, Segall casa-se com Jenny Klabin. Em dezembro, o casal parte para a Europa, e no ano seguinte nasce o primeiro filho do casal, Maurício.

Entre 1928 e 1932, Segall reside em Paris, onde inicia suas investigações no campo da escultura. Nessa temporada, nasce seu segundo filho, Oscar. De volta ao Brasil, dedica-se à organização da Sociedade Pró-Arte Moderna (SPAM), entidade dedicada à disseminação das propostas de vanguarda em São Paulo. A SPAM promove conferências e exposições, e empreende bailes de carnaval muito concorridos, em 1933 e 1934. A decoração das festas fica a cargo de Segall, que cria cenários de grande beleza e imaginação. A SPAM seria extinta em 1935, após uma campanha perpetrada por grupos que acusavam a entidade de ocultar “fins secretos”.

Desde 1933, com a ascensão dos nazistas na Alemanha, as obras de arte moderna pertencentes a coleções públicas do país vinham sendo alvo de políticas discriminatórias. Em muitos museus, elas foram retiradas dos espaços de visitação ou segregadas em salas especiais, as denominadas Schreckenkammern [Câmaras dos Horrores]. Em julho de 1937, o governo nazista decidiu empreender uma campanha oficial contra o que chamava de Entartete Kunst [Arte degenerada]. Funcionários do governo percorreram os museus da Alemanha, confiscando aproximadamente 16 mil obras de arte. Entre essas cerca de 50 eram de Lasar Segall. Muitas delas foram exibidas na exposição Entartete Kunst [Arte degenerada], que estreou em Munique, ainda em 1937, e percorreu depois uma série de cidades da Alemanha.

Segall e a modelo Lucy Citti Ferreira, 1940 São Paulo. Fotógrafo: Hildegard Rosenthal
Lasar Segall, c . 1945 São Paulo. Fotógrafo: Benedito Junqueira
Ultimo retrato de Lasar Segall, 1957 São Paulo. Fotógrafo: Luís Lorch

A salvo dos nazistas, Segall obtinha reconhecimento no Brasil. Realizou diversas exposições em 1937 e 1938, no Brasil e na França, e viu muitas de suas obras passarem a integrar coleções de museus brasileiros e franceses. Em 1943, Segall é homenageado com uma grande exposição retrospectiva, realizada no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, a convite do governo federal do Brasil. Em 1945, ainda no Rio de Janeiro, toma parte na exposição Arte condenada pelo Terceiro Reich, um desagravo aos artistas perseguidos pelo regime nazista, na Galeria Askanazy. Realiza também uma grande exposição em Nova York em 1948.

Durante seus mais de 50 anos de atividade, Segall produziu uma obra sólida e reconhecida. Foi tema de dezenas de ensaios e biografias, muitos deles escritos pelos mais renomados críticos de seu tempo. Parte expressiva de sua obra lidou com temas relativos aos excluídos e marginalizados: prostitutas, emigrantes, indigentes e despossuídos. Ao longo de toda a sua carreira, dedicou especial atenção à situação dos judeus, voltando sempre ao tema em obras como Pogrom, Guerra e Campo de concentração.

Segall faleceu em 2 de agosto de 1957, em sua residência na Vila Mariana, em São Paulo, vítima de uma moléstia cardíaca. Nos dez anos seguintes sua viúva Jenny Klabin Segall empreendeu um intenso esforço de documentação da obra de seu esposo, e dedicou-se a conservar seu acervo, já com a intenção de fundar um museu. Auxiliada pelos filhos Mauricio Segall e Oscar Klabin Segall e pelo amigo Luiz Hossaka, coordena várias exposições póstumas de Segall na Europa, entre 1958 e 1962, cumprindo seu objetivo de reintroduzir o nome do artista no panorama artístico internacional. A 2 de agosto de 1967, exatamente dez anos após a morte do marido, Jenny Klabin Segall falece em consequência de um enfarte. Pouco tempo depois, a 21 de setembro de 1967 é inaugurado oficialmente o Museu Lasar Segall, situado na antiga residência do casal na Rua Afonso Celso.